Estar nu te assusta, e isso te incomoda? Veja como fazer as pazes com a nudez
Publicado por Os Naturistas

Estar nu te assusta, e isso te incomoda? Veja como fazer as pazes com a nudez

Para psicóloga, precisamos voltar a encarar o corpo a partir de sua função original: mediar nossa relação com o mundo

“Muitas vezes, acho a nudez desconfortável”, reconhece a estudante de nutrição Tânia Vieira, 23, que prossegue detalhando ter vivido, por anos, uma relação conturbada com o próprio corpo. “Hoje, já melhorou bastante, mas já tive problemas até em me olhar no espelho. Eu procurei desenvolver isso e, agora, não é algo que evito tanto assim, mas, quanto à nudez, ainda tenho resistência. Na teoria, até acho que ficar nua quando estou sozinha em casa deveria ser tranquilo, mas não é bem assim para todo mundo. E, para mim, também não é”, expõe. Experiência semelhante viveu o garçom Carlos Daniel Pereira, 26. “Ficar nu era um problema para mim”, admite. “Atualmente, estou mais tranquilo com isso. Acho que porque estou cuidando mais de mim. Penso que essa atenção e autocuidado contribuíram para que eu fizesse as pazes com o meu próprio corpo”, reflete.

Os dois relatos, ouvidos pela reportagem durante uma breve ronda na área central de Belo Horizonte, dão dimensão de como a lida com a própria nudez pode ser desafiante para algumas pessoas. Um problema que, para a psicóloga Leni Oliveira, pode estar associado a uma série de fatores, como a baixa autoestima, traumas e as cobranças externas e internas. “Também aponta uma mudança na função primária do corpo, que é mediar nossa relação com o mundo”, destaca.

Essas cobranças citadas por Leni estão no bojo da pressão estética, um fenômeno relacionado à expectativa social para que todos se adéquem, a todo custo, aos padrões de beleza vigentes – mesmo que eles sejam irreais e até inalcançáveis. “Vejo esse comportamento como o resultado de uma cultura do controle dos corpos, principalmente o corpo feminino. Os homens que têm mais problema com seus corpos apresentam características semelhantes às dos corpos femininos, como “seios”, ou fraqueza muscular. Por outro lado, em geral, eles gostam de exibir seus pênis como símbolo de virilidade. Para a mulher, por outro lado, a nudez é sua vergonha”, comenta.

Ernani Gomes, especializado em terapia cognitivo-comportamental e professor na Universidade Estácio, concorda. Contudo, ele lembra estudos que indicam que cada vez mais homens têm sido assombrados por esse fenômeno. “Há pesquisas, inclusive relacionadas a questões sexuais, indicando que mais homens têm se sentido inseguros sexualmente por não se sentirem bonitos. Há também um aumento de casos de homens se privando de comer ou treinando excessivamente na tentativa de se enquadrar em um padrão de beleza entendido socialmente como desejável”, sinalizou durante entrevista a O TEMPO sobre como a pressão estética afeta a autoestima.

Consequências. Essa insatisfação em relação ao próprio corpo repercute em questões como baixa autoestima e insegurança, que, quando acentuadas, podem levar ao desenvolvimento de transtornos diversos, principalmente aqueles relacionados a uma lida conflituosa com a alimentação e com a autoimagem, como a compulsão alimentar, a anorexia, a bulimia e a busca desenfreada e pouco cuidadosa por cirurgias plásticas. Há também repercussões relacionais e profissionais, uma vez que há consequente deterioração da autoconfiança, favorecendo o ingresso em relações abusivas.

Fazendo as pazes com o espelho

“O primeiro passo para lidar melhor com o próprio corpo e com a própria nudez é trazer o corpo à sua função original: mediar nossa relação com o mundo. O corpo é fonte de prazer e desprazer, ele é um instrumento para a experiência humana”, crava Leni Oliveira, lembrando que essa relação disfuncional com a autoimagem pode motivar desconforto quando estamos diante do corpo do outro. “Ele pode se tornar um espelho para nós, causando mal-estar”, diz. “Para lidar bem com a própria nudez e com a nudez do outro seria preciso dessexualizar os corpos. Afinal, hoje, o corpo nu se resume a ser ora uma ofensa, ora um objeto do desejo”, salienta.

A psicóloga indica que muitas são as formas de se alcançar uma compreensão mais acolhedora em relação à própria autoimagem, não existindo regras, receitas prontas ou soluções infalíveis quando o assunto é fazer as pazes com o que vemos diante de um espelho sem nenhum filtro ou adereço. Mas algumas experiências podem nos fornecer pistas que apontam para algum caminho de autoentendimento.

Experimente outro olhar

Entre 2015 e 2017, os fotógrafos Fábio Lamounier e Rodrigo Ladeira se dedicaram ao projeto “Chicos”, hoje encerrado. Nesse período, eles realizaram cerca de 150 ensaios e entrevistas com homens gays, que abriam sua intimidade para a dupla, falando de suas experiências, e se permitiam ser fotografados nus.

“O projeto tinha duas abordagens, a parte da fala e a parte visual. E o corpo aparecia nos dois pontos”, comenta Ladeira, lembrando que, nesse ínterim, conviveu com pessoas que se sentiam mais confiantes, sendo participativas e trazendo ideias e referências, e com pessoas mais inseguras. “Estas últimas, quando nos procuravam dizendo que gostariam de participar, estavam querendo quase que arrancar o ‘Band-aid’ da vergonha. Elas encaravam a iniciativa como parte de um processo para se ver de outra forma”, examina.

O fotógrafo reconhece que aqueles que divergem mais do que é entendido como o padrão ideal tendem a se mostrar mais desconfortáveis com o próprio corpo – “mas até as pessoas mais dentro desse padrão vão ter suas inseguranças”, cita. Ele lembra que outros diversos fatores vão interferir nessa relação consigo mesmo. “No caso dos nossos modelos, por exemplo, tem o fato de serem todos gays, que, comumente, na adolescência, quando somos mais frágeis com nossa imagem, sofrem uma grande pressão, principalmente se não se adéquam à norma heteronormativa”, pondera.

Nos anos em que se dedicou ao “Chicos”, ele diz ter colecionado histórias de gente que relatou ter se reconciliado com a própria imagem.

“Eu me lembro, por exemplo, de um menino do Rio, que nos contou ter sofrido bullying no colégio, chegando a ser votado como o mais feio da sala. Até o momento em que colocamos o conteúdo no ar, ele ainda estava inseguro, mas, posteriormente, ficou muito feliz e compartilhou tudo nas redes dele. Em 2016, quando o projeto virou um livro, escolhemos uma foto dele para ficar no meio do livro, ocupando uma página dupla. Depois disso, ele reconheceu que, depois daquela experiência, ele fez as pazes com o próprio corpo, disse que passou a se aceitar e a transar de luz acesa. Ele havia descoberto que havia beleza e desejo em seu corpo”, relata Ladeira.

Reaprenda a naturalizar

Para a contadora Paula Silveira, 49, (FOTO ACIMA) o corpo nu nunca chegou a ser tabu. “Hoje, eu tenho o entendimento de que sempre fui naturista, mesmo quando não conhecia esse termo, pois eu fui criada em um ambiente naturista”, explica, lembrando que, em casa, portas abertas eram mais regra do que exceção. “Meus pais tomavam banho de porta aberta, e esse sempre foi um momento de bate-papo para nós, sem nenhum constrangimento”, diz.

“Fora de casa, eu frequentava a praia do Pinho (considerada a primeira praia de naturismo do Brasil, ela está localizada em Balneário Camboriú, no litoral norte de Santa Catarina), mas não tinha consciência de que havia todo um movimento e sequer tinha a pretensão de ser naturista. Eu simplesmente cheguei lá e tirei a roupa. Não tive impacto, bloqueio, nada disso”, recorda, dizendo que só em 2008 começou a conhecer e se inserir em grupos e associações com esse propósito. Hoje, ela é presidente da Federação Brasileira de Naturismo (FBrN).

Paula reconhece que sua experiência é atípica. “Eu vejo que existe muito desconforto em estar sem roupa. Uma indisposição que é mais comum entre as mulheres, que são mais julgadas por seus corpos e atitudes”, comenta.

Em sua experiência no meio naturista, ela diz ter assistido, por diversas vezes, ao processo de reconciliação de pessoas com seus corpos. “É claro que tem gente que não se adapta bem, que prefere não estar naquele ambiente. Mas há também aqueles que nem se olhavam no espelho e que, ao conviver com o naturismo, passaram a ter outra atitude, bem mais tranquila”, conta.

“Por exemplo, pessoas que tinham muita vergonha de alguma característica – como se considerar magro ou gordo demais, alto ou baixo demais, ou ter alguma cicatriz ou mancha que as constrangia –, mas que, após essa experiência, aprenderam a naturalizar aquela condição. Ou melhor, reaprender, porque ninguém nasce com vergonha de si mesmo”, comenta, inteirando que o mais comum é que as pessoas relatem um sentimento de libertação. “Esses complexos as corroíam por dentro”, diz.

Para ela, além do contato com a diversidade, a perspectiva necessariamente não erotizada da nudez – uma proposta que é intrínseca à prática do naturismo – é também fundamental para reduzir o estranhamento com o corpo nu.

Mais dicas

Para quem quer se sentir mais à vontade estando pelado e não sabe por onde começar a desconstruir todo esse desconforto, Paula Silveira elenca uma série de exercícios, muitos dos quais em sintonia com estratégias sugeridas por terapeutas, ativistas da imagem corporal e nudistas consultados pelo jornal norte-americano “The New York Times” em uma reportagem de janeiro deste ano sobre a autoaceitação da própria nudez.

Aproveite as oportunidades. Aproveite os momentos em que estiver em um ambiente seguro e em que se sente confortável para estar nu. “Pode ser em casa, ou no seu quarto. O importante é ir se habituando a estar sem roupa, se é isso que você deseja”, pontua.

Foco nas sensações corporais. Paula aconselha trocar o excesso de autojulgamento pela percepção das sensações. “Você pode observar a sensação de uma gota de suor, que seria absorvida pela sua roupa, escorrer pela pele, pode sentir o vento ou o sol tocar seu corpo. Assim, você muda o foco, deixa de se torturar e passa a se integrar mais ao mundo a seu redor”, garante.

Lembre-se da pluralidade. Na avaliação da presidente da FBrN, os ambientes naturistas costumam ser um lugar de autoaceitação por levar as pessoas a conviver com uma grande pluralidade de corpos. “A gente descobre que cada um é cada um e, assim, entende que não tem como querer que todos estejam em um mesmo padrão, uma mesma forma”, diz, salientando que essa lógica pode ser levada para as redes sociais. “Em vez de seguir só gente com um mesmo biotipo, que tal se cercar de diversidade?”, sugere.

Via O Tempo, editora N

Equipe OS NATURISTAS

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